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Sobre Transparência, Governos e Blockchains

Sobre Transparência, Governos e Blockchains

written by Emanuel Souza

12 Oct 202310 EDITIONS
1 TEZ

Introdução

Muito se fala sobre os aspectos revolucionários introduzidos pelas tecnologias Crypto e de Blockchain. Ainda que as aplicações financeiras sejam a grande vitrine neste universo, diferentes usos práticos são possíveis. Já no white paper da rede Ethereum, Vitalik Buterin destacou a versatilidade da rede e suas múltiplas possibilidades de uso.

Dos muitos aspectos que compõem estas tecnologias, neste artigo pretendemos destacar um, a transparência. De maneira sucinta pretendemos problematizar a falta de transparência das instituições políticas tradicionais usando exemplos da política brasileira atual. Com este panorama em mãos, pretendemos fazer um contraponto com a transparência presente na arquitetura tecnológica da blockchain.

Opacidade Política Inerente

A máquina burocrática política é complexa e cara. A forma tradicional de organização da democracia representativa tem um alto custo de funcionamento. É importante deixar claro que dentro de um governo nacional são diversos e variados os gastos, ainda que existam os gastos destinados à população, como saúde, segurança e educação, muitas vezes a verba destinada a estas pastas não é de fato aplicada.

Tomemos a nova formatação das contas públicas do atual governo brasileiro. Há um considerável aumento no repasse para as áreas sociais. Em um primeiro olhar, o aumento de verbas para as pastas de saúde e assistência social é positivo, entretanto, é necessário destacar dois pontos. Em primeiro lugar, não há garantias transparentes de como os recursos serão alocados. Em segundo lugar, o crescente aumento dos gastos públicos ocorre sem qualquer sinalização de cortes de gastos.

É inegável que o governo Lula representa um avanço ético social em relação à gestão anterior. Durante o desgoverno Bolsonaro o país aprofundou o abismo social entre ricos e pobres, ao mesmo tempo presenciou o crescente aumento dos discursos de ódio. Foram perdas significativas para a nação, danos que precisarão de anos para serem revertidos, desde as questões relativas ao aumento do desmatamento até o isolamento político em um discurso delirante. Neste sentido o governo atual é inegavelmente um avanço. Entretanto, dentro da máquina burocrática política não há diferença entre direita e esquerda.

Independentemente da inclinação, um governo precisa lidar com as contas públicas. É preciso conter o déficit ao mesmo tempo ter capital necessário para o bom funcionamento das instituições. Com a PEC da transição o governo aprovou provisoriamente gastos que se tornaram permanentes com a aprovação do arcabouço de gastos. Para conter a dívida pública, o Governo Federal pretende aumentar significativamente a arrecadação (algo em torno de R$200 bilhões). O aumento dos impostos tem sido a via privilegiada, por um lado são propostas interessantes que visam uma equidade no pagamento de impostos, tendo em vista que hoje são os mais abastados os menos afetados pelas cargas tributárias. A taxação dos fundos dos super ricos também é relevante como forma de equilíbrio social. Aumentar a receita pública é pertinente, desde que esses recursos de fato sejam bem aplicados, o que não é bem assim.

Para onde vão os recursos? Como eles são gastos? São bem utilizados? Para essas perguntas a resposta é incerta. Há uma cultura do desperdício do dinheiro público sustentado pela falta de clareza e transparência nos gastos, uma opacidade inerente ao funcionamento político burocrático da máquina democrática.

Recentemente o governo empenhou R$5,25 bilhões em emendas individuais de transferência especial. Estas ficaram conhecidas como "emendas PIX” ou "emendas cheque em branco", devido à dificuldade de rastrear a finalidade do dinheiro. Estas emendas são usadas como ferramentas de negociação para garantir o apoio parlamentar. Fica a cargo do Governo definir como e quando serão utilizadas, funcionando como forma de pressão em momentos onde é necessário maior apoio para aprovação no legislativo.

A forma como o governo atual funciona não é novidade, é um mecanismo burocrático político que funciona independente de quem são os atores no poder. A máquina da democracia burocrática permite manobras que relativizam a necessidade de transparência. Entre emendas de destinação obscura e a cultura lobista, os gestores nacionais se empenham em manter o funcionamento da máquina e todas as sutilezas ardilosas por onde escoa o dinheiro dos contribuintes.

Levando em consideração o desperdício de recursos públicos (por má aplicação ou corrupção) e a falta de transparência, é necessário pensar em mecanismos que mitiguem os aspectos velados da política. Se uma reforma completa no momento se aproxima de uma utopia, devemos refletir sobre o campo de possível do que pode ser feito agora. É neste sentido que levamos em consideração as tecnologias Crypto.

Com as informações em blockchain podemos pensar uma forma de organização política anti-burocrática e transparente. Existem questões éticas a serem levadas em consideração, da mesma forma, inclinações políticas são fatores de suma relevância. Aqui pretendemos destacar um aspecto tecnológico prático que pode ser aplicado em qualquer instituição que pretenda aumentar a transparência.

Transparência Tecnológica Inerente

Ainda que uma cadeia operando em blocos criptografados fosse algo explorado conceitualmente desde os anos 90, foi em 2009 com o Bitcoin que pela primeira vez um sistema em blockchain entrou em funcionamento. Uma cadeia de blocos funcionando como um livro de registros aberto, onde todas as operações podem ser verificadas.

A rede Bitcoin é revolucionária por uma série de motivos, através de um processo simples funciona uma rede robusta, segura e transparente. Ao mesmo tempo que preza pela segurança e anonimato das partes, a rede é completamente aberta. Qualquer pessoa pode acessar a rede Bitcoin e ter acesso a todo o histórico de transações, funcionando como um livro-razão para a manutenção de registros que, uma vez anexados à cadeia de blocos, se tornam indeléveis. Dessa forma, toda a cadeia de dados ganha confiabilidade através da transparência inerente a arquitetura tecnológica que constitui a blockchain.

Entretanto, a rede Bitcoin é limitada em funcionalidades, foi a partir da rede Ethereum que a revolução Crypto deu outro passo importante, possibilitando a implementação ilimitada de funcionalidades através de contratos inteligentes.

Contratos inteligentes são aplicações que executam automaticamente uma sequência de regras acordadas previamente entre partes. Através de instruções e comandos previamente estabelecidos executam tarefas específicas. A lógica de um contrato inteligente é a mesma de um documento legal tradicional, entretanto, um contrato inteligente em uma rede blockchain opera sem a necessidade de verificação e validação externa.

Ainda que as principais aplicações das redes de blockchain sejam financeiras, o uso de contratos inteligentes é uma maneira simples e poderosa de criar sistemas de gerenciamento com aplicações sociais e políticas. Toda uma gama de aplicações diretas para as redes blockchain, desde a criação de moedas e contratos até aplicações como votação online e governança descentralizada, que não são financeiras de forma alguma.

Entre cacofonia e entendimentos parciais, as tecnologias crypto são na maior parte do tempo vistas como meramente especulativas. Ainda que, de fato, haja a faceta mercadológica, ao focar no aspecto financeiro deixamos de lado o mecanismo de funcionamento e todos os usos possíveis.

Parece estranho falar sobre usos governamentais de uma tecnologia que levanta a bandeira da descentralização. Entretanto, é enganoso achar que nossa sociedade em sua forma atual consegue prescindir das instituições governamentais. Vivemos na ilusão da democracia representativa, onde muitas vezes o voto é o único mecanismo político utilizado pela grande maioria da população. Uma vez eleitos, os governantes operam dentro de sua bolha burocrática, tornando os eleitores meros observadores com informações parciais. Levar a blockchain para esfera governamental é facilitar a participação social.

Uma aplicação simples e possível é trazer transparência. Voltando à questão das emendas. No dia 5 de Julho o Governo Federal liberou R$ 2,1 bilhões em emendas (maior valor liberado em um único dia desde o início do mandato). A liberação ocorreu na véspera de votações que diretamente interessavam ao governo. Vale ressaltar que o maior volume de emendas foi para o partido do presidente da Casa, Arthur Lira. Fica claro que as emendas têm como principal função influenciar os votos dos deputados em pautas de interesse do governo, não há relação direta entre a destinação das verbas e benefícios para a população.

Para onde vão estes bilhões? A forma como este dinheiro é aplicado e seu destino final não é claro, a forma “orgânica” como a falta de transparência está institucionalizada é um dos motores da corrupção e do descontrole das contas públicas. E neste sentido que a blockchain é extremamente importante para uma mudança técnica na aplicação dos recursos públicos.

A blockchain não é a panaceia contra fraudes e corrupção, é uma ferramenta eficaz e eficiente para a gestão, seja de instituições descentralizadas ou não. Uma rede onde as informações anexadas são imutáveis e a integridade processual é assegurada. Neste mecanismo a transparência é uma parte inerente do funcionamento.

Considerações Finais

As tecnologias crypto cada vez mais se afirmam como parte do cotidiano em um movimento crescente que tende a ser absorvido em massa, em variados casos de uso que não se restringem ao aspecto financeiro.

Levando em consideração o mecanismo arcaico em funcionamento dentro das instituições políticas brasileiras, não é difícil encontrar casos de uso onde a tecnologia crypto seria um aprimoramento. É interessante pensar nos avanços possíveis, diminuindo a burocracia, aumentando a transparência e facilitando a participação direta da população. É fácil cair em divagações teóricas em cenários fictícios, entretanto, a realidade é que a implementação dessas tecnologias depende da vontade dos governantes. Uma das bases fundamentais das tecnologias crypto é a transparência, e talvez a transparência seja o fator de mais fácil implementação possível. Todavia, deixando claro como “possível” pois depende da vontade dos atores políticos de colocar em prática estes mecanismos.

Ainda que pareça ilusório esperar que a classe política assuma bandeiras que realmente avancem no combate a corrupção e diminuição da burocracia, a expansão tecnológica é uma realidade inevitável. Para além da blockchain existem outras tecnologias cuja implementação governamental é benéfica para a população. Desde de maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal usa um sistema de IA (chamado VitórIA) para agrupar processos por similaridade de tema. Para os envolvidos no projeto, este é apenas a porta de entrada para mudanças no funcionamento do mecanismo jurídico, neste sentido, é o vislumbre de uma possível entrada para a blockchain em uma instituição governamental.

Do ponto de vista técnico, já é possível a implementação de blockchain na esfera pública. Todavia, esse é um avanço ainda pouco entendido e ainda no início. São interessantes perspectivas que nos deixam a questão de como avançar na pauta crypto na esfera política.

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